Senta aqui, perto do fogo. A noite está escura e sem lua, do jeito que os antigos diziam ser perigoso. É em noites assim que as histórias ganham vida e que a gente aprende a respeitar o que não se vê. Hoje, vou te contar o que meu avô me contou sobre a Estrada Velha, aquele caminho de terra batida que corta o pasto lá no fundo. Um lugar que, depois da meia-noite, não pertence mais aos vivos.

Tudo começou com o velho Tião, um peão valente e meio teimoso que trabalhava na fazenda há muitos anos. Ele não acreditava em assombração, ria dos “causos” e dizia que “quem trabalha não tem tempo pra ter medo”.

Numa sexta-feira de Quaresma, depois de um dia de lida, o pessoal se reuniu na cozinha, e a conversa caiu, como sempre, nas histórias de assombração. Falaram da Procissão das Almas, um cortejo de espíritos que, diziam, passava pela Estrada Velha exatamente à meia-noite, carregando velas que não se apagavam com o vento. A regra era clara: se ouvir o cântico, feche a janela, reze e não olhe. Olhar era um convite para se juntar a eles.

Tião, com seu peito estufado de coragem (ou seria orgulho?), soltou uma gargalhada. “Pois hoje eu vou ver essa tal procissão de perto! Quero ver se alma tem sombra.”

Ninguém conseguiu convencê-lo do contrário. Perto da meia-noite, ele pegou seu cavalo, ajeitou o chapéu e partiu em direção à Estrada Velha, ignorando os apelos e as rezas de quem ficou.

O tempo passou. Uma hora, duas… e nada do Tião voltar. O silêncio da madrugada ficou pesado, carregado de uma angústia que nem o café quente conseguia afastar.

Ao primeiro sinal do sol, um grupo de homens foi procurá-lo. Encontraram seu cavalo pastando sozinho, assustado, perto da porteira. E, mais à frente, no meio da estrada, estava o chapéu de Tião, caído no chão. Dele, nem sinal.

Procuraram por dias, mas o velho Tião nunca mais foi visto.

No entanto, a história não acaba aí. Dizem que, algumas semanas depois, numa outra noite escura de sexta-feira, o filho mais novo do Tião, um menino de uns dez anos, acordou assustado com um som de reza vindo de longe. Curioso, ele foi até a janela e olhou para a Estrada Velha.

Ele viu a procissão. Uma fila de vultos caminhando lentamente, cada um segurando uma vela cuja chama pálida não piscava. E, no final da fila, mancando um pouco, vinha um homem que ele conhecia bem. O homem usava as mesmas roupas do seu pai e, ao passar em frente à casa, virou o rosto lentamente. Seus olhos eram vazios, e ele carregava a vela mais alta de todas.

O menino nunca mais foi o mesmo. E, até hoje, os mais antigos da Fazenda Quirón ensinam: “Não duvide do que a noite esconde e nunca, jamais, espie a Procissão das Almas. É um caminho sem volta.”

Autor: Desconhecido